Por Fernando Rodrigues de Almeida
Me lembro que os predicadores da boa-venturança, quando a pandemia de COVID-19 iniciava-se em 2020, diziam que os tempos de isolamento iriam reconstruir as noções que tínhamos de vida, que o depois seria o novo. Mas quando ouvia isso, ainda mais por tratar de locutores da positividade, eu achei que falavam que as consequências seriam boas.
Durante esse período lúgubre da história contemporânea, a educação teve que se adaptar, as transmissões online síncronas das aulas foram uma das alternativas, outra foi as atividades virtuais, métodos de aprendizagem remotos. E enfim, nós, que sobrevivemos, ficamos vivos para contar sobre o futuro.
O problema que o futuro pós-pandêmico revelava, que talvez a reflexão foi afogada pelo quase que natural senso de sobrevivência do capital, que observa uma facilidade em resultados econômicos e a agarra para nunca mais soltar.
Quando achávamos que tinha ficado claro para todos que a educação a distância tinha um aproveitamento reduzido, não somente em termos pedagógicos e de aprendizado, mas também em termos de relações intersubjetivas, convivência de carreira, orientação profissional e mesmo a formação humanista, na verdade, o que vimos foi a Educação à Distância tomar força e agora, nem sequer precisava mais da narrativa da suposta educação democrática, que, na verdade, é apenas uma substituição privada e lucrativa da inoperância do Estado em acessibilidade geral a educação. Mas agora nem isso mais era preciso, agora a pressão pela manutenção do digital era uma imposição conjunta de parte grandes conglomerados educacionais.
Na faculdade de direito a resistência foi grande, claro, por parte dos educadores, da OAB e de instituições que acreditavam ainda na formação intelectual dos quadros jurídicos. Mas aos poucos o semipresencial chegou, quase como um aviso do futuro, e o professor, ultra especializado, acadêmico de formação, inserido no mundo jurídico, com preocupação pela bibliografia, leitura e discussão profunda dentro de uma sala de aula com 30 alunos, ficou caro demais em comparação com o Tutor de uma disciplina, que agora segue o roteiro de uma apostila, que condensa e esquematiza milhares de conceitos, exclui a profundidade, redimensiona o peso da aprendizagem e, principalmente, fica responsável não mais por 30, mas por 300 acadêmicos, acadêmicos sem rosto, sem nome, e que só valem uma hora aula em seu acumulo massivo. E oras, como lutar contra isso? Para que o livro se há a apostila? Pra que o professor orientador de uma disciplina específica se há o tutor de blocos atendendo vários cursos? Pra que a dificuldade árdua do aprendizado se há um mnemônico pra decorar? Pra que debate se é possível evitar polêmicas em uma sala virtual que não tem voz?
Claro, a faculdade de direito no brasil já nasceu “torta”, querendo cobrir “demandas”. A Faculdade de Direito de Olinda e A Faculdade de Direito do Largo São Francisco, as primeiras a ofertar o curso de direito no Brasil em 1827, já tinham um objetivo de formar os chamados “quadros de estado”, ainda assim, os intelectuais presentes nesses locais sequer entenderiam o que é um apostilado, afinal os 60 volumes do tratado de direito privado de Pontes de Miranda tinha por objetivo esmiuçar uma única área do direito e não fazer um quadro sinótico.
Mas o corpo tende a inércia, e se for pra facilitar que mal tem? Ora, o mal é que talvez o próprio Estado não tenha dado conta que, em tempos em que a democracia se tornou um brinquedo argumentativo na boca daqueles que a resumem a quase nada, os intelectuais que não se renderam ao resumido, são aqueles que ainda se preocupam com esse conceito, e o direito é a área que forma um pilar fundamental da democracia. Se os juristas do futuro próximo forem os mesmos que falarão sobre direitos humanos, institucionalidade, acesso à justiça, e outros assuntos importantíssimos a partir de esquemas de memorização, talvez nem a história poderá contar o que será de nós, afinal, a história tem letras demais.
Foto: Freepik
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