Em Pantanal, a diversidade não está apenas no bioma

Um José Leôncio que não precisa aceitar, mas respeita e transforma respeito em regra, num universo machista, é ponto alto da trama.

  • Um José Leôncio que não precisa aceitar, mas respeita e transforma esse respeito em regra, num universo completamente machista, é ponto alto da trama

    Durante as primeiras propagandas de quando a Globo começou a anunciar que ficaria responsável por produzir e propagar um remake de Pantanal, de 1990, eu já fiquei com aquilo na cabeça: eu preciso assistir essa novela.

    Precisava porque quando eu era pequeno, acho que mais ou menos em 2007, quando eu tinha 12 anos, passou a primeira versão de Pantanal no SBT. Foi lá que eu aprendi um pouco da letra de “Pantanal”, de Marcus Viana – que, por sinal, está tocando enquanto eu escrevo este texto.

    A novela começou, eu também comecei a acompanhar, mas confesso que falhei com minha promessa. Não acompanho diariamente a novela, algo que havia prometido que faria, mas ainda assim estava atento ao que estava acontecendo (numa época de Twitter, quase impossível não ser assim). Só que teve um dia que, assistindo um capítulo da trama com a Roberta, na casa dela, vimos diante dos olhos uma cena de clara homofobia por parte dos peões da fazenda de Zé Leôncio, que é um personagem de peso para o andar da narrativa. Aquela cena me marcou no momento que assisti.

    Foi ali que, no auge do horário nobre da Globo, tivemos um discurso à altura. O capítulo de 4 de julho de 2022, estrelado pela brilhante atuação de Silvério Pereira, que vive Zaquieu, um peão LGBTQIA+ que vai até o pantanal, para trabalhar nas terras de José Leôncio, mas que foi hostilizado por Tadeu, um dos filhos de Zé Leôncio.

    Ao “sair à francesa” (como o próprio peão diz no episódio), ele deixa uma carta para a patroa, Mariana, que o trouxe para a fazenda, que é lida na presença dos protagonistas da novela. Com isso, Zé Leôncio toma uma decisão que foge do imaginário que pensa em um senso comum: decide pedir desculpas e falar com Zaquieu. Ainda no episódio de 4 de julho, ele termina com praticamente um monólogo do Zaquieu já na chalana do seo Eugênio, chalaneiro que transporta pelos rios. Uma fala potente, empoderada e bastante furiosa para demonstrar o que a atual sociedade ainda faz com as pessoas LGBTQIA+, todos os dias.

    Tadeu, de vermelho, é filho de José Leôncio; um dos que aprende com o discurso do pai (Reprodução/Globoplay/Pantanal)

    Por fim, o episódio termina com um José Leôncio tão furioso, mas com a vontade de entender quem dos peões cometeram o crime de homofobia. Em uma fala que aplica exemplos dentro do dialeto da região, explicando como as pessoas que “não se acostumaram” não deveriam mesmo assim ter tirado o sarro que pode levar eles à cadeia.

    José Leôncio, bravamente representado por Marcos Palmeira, também dá uma aula enquanto está reunido no alojamento para dizer que, a partir dali, quem praticar crime de homofobia, pode pegar as “traia de arreio” para ir embora. 

    Isso que vocês fizeram tem nome, e não é piada não: é homofobia. E é crime!”

    11 dias depois, em 15 de julho, Zé Leôncio liga para Zaquieu, no Rio de Janeiro. Ele queria ter a conversa no “téte-a-téte”, mas que foi possível pela tecnologia também inserida nesse remake da novela. Diz, em alto e bom tom: “o mais importante é que a ignorância, diferente da burrice, tem cura, basta querer aprender”.

    José Leôncio, acompanhado de Mariana, a quem chama de “ótima professora”, liga para Zaquieu em um pedido de desculpas (Reprodução/Globoplay/Pantanal)

    A Pantanal de 2022 soube como ninguém adicionar um palco espetacular do debate sobre a homofobia mesmo quando imaginamos que em determinados espaços, isso não exista. Tirou de letra a possibilidade de agarrar a maior audiência da televisão brasileira para debater na raça com a sociedade brasileira.

    Bruno Luperi, o roteirista da versão de 2022, neto do escritor da primeira temporada (1990) Benedito Ruy Barbosa, acertou em cheio a adaptação – real – ao cenário atual.

    Redescobrir as Américas 500 anos depois é lutar com unhas e dentes para ter um direito ao depois.

    Nós também queremos que os filhos dos filhos, dos nossos filhos LGBTQIA+ vejam.

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