Conforme dados divulgados pela primeira vez pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sim. Mas o que os números têm para nos dizer?
Foi publicada pela primeira vez ontem (25), os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), feita pelo IBGE. A pesquisa foi feita em 2019, e já aqui a gente encontra a primeira torcida de nariz: 3 anos para publicar os dados de pesquisa feita em 108 mil domicílios brasileiros? Mas tudo bem, nem de longe esse é o fato que mais assusta.
O que mais me chamou a atenção – e de grande parcela da internet, pois a pesquisa virou até meme – foi a porcentagem de pessoas que se autodeclararam heterossexuais: 95%. A Folha de S. Paulo, inclusive, usou esse título para chamar a notícia: 95% da população acima de 18 anos se diz heterossexual, estima IBGE pela primeira vez. Tudo bem, esse texto aqui não é uma crítica de mídia, mas até que poderia ser: é a primeira vez que, de certa maneira, temos em mãos dados oficiais de um órgão governamental onde podemos entender melhor sobre o cenário de pessoas LGBTQIAP+ do país, mas o título evidenciou os 95% que, de toda maneira, já são bem representados na sociedade. Mas tá, bola para frente.
Quando eu tive contato, analisei os dados e vi as notícias sobre a pesquisa, a minha percepção foi única: esses números baixíssimos de pessoas se autodeclarando com certeza estão ligados ao fato de muita gente da comunidade LGBTQIAP+ ter medo de se emancipar como tal, e negar a própria sexualidade, até como forma de preservação da integridade física e moral. Nós estamos falando de uma pesquisa feita em 2019, um ano depois de começar o governo de um cara que, desde antes de ser eleito, dizia que preferia um filho morto à um filho homossexual (em uma entrevista para a Playboy, em 2011).
Quem respondeu essa pesquisa? O IBGE teve contato com coletivos e grupos de apoio à comunidade, como a ANTRA, o Grupo Gay da Bahia e tantos outros órgãos? É confortável para uma pessoa LGBTQIAP+ responder sobre a própria sexualidade para um órgão ligado ao governo? Dá medo de dizer oficialmente sobre a própria sexualidade com medo de retaliação? São diversas as perguntas. Mas vamos à alguns dados:
2,3% dos entrevistados preferiram não responder (primeiro ponto de atenção). Já outros 1,1% responderam que não sabiam, e 0,1% disseram que têm outra orientação sexual (como assexual, pansexual ou outras). Somando esses três cenários, nós temos 3,5% da pesquisa. Já as pessoas que responderam oficialmente, 1,8% se disse homossexual (1,13% da parcela) ou bissexual (0,69% da parcela). Ou seja: se temos mais pessoas que não responderam/não sabem da própria sexualidade em detrimento daquelas que responderam, temos um sintoma: há medo em responder? Por que mais pessoas disseram que não queriam responder, de forma oficial?
A TODXS Brasil revelou, também em pesquisa publicada em 2020, que apenas 52% destas pessoas assumem publicamente a orientação sexual ou identidade de gênero.
Eu quero deixar claro: a única coisa que não quero é duvidar da capacidade técnica do IBGE. Muito pelo contrário: eu acredito que essa pesquisa evolui e melhora muito com o tempo, e mesmo com todos os entraves que o governo Bolsonaro coloca na autarquia – e na própria população – como ao cortar verba para a realização do Censo 2021, ter um órgão oficial do governo olhando para nossa comunidade é louvável. O meu ponto aqui são dois, na verdade: o uso desses dados como ferramenta política de coação e a possibilidade de subnotificação pelo fato de estarmos em uma país inacreditavelmente machista, homofóbico, racista e que mais mata travestis e pessoas transexuais no mundo.
O próprio IBGE falou sobre a possibilidade de subnotificação. E, como sempre, eu costumo me perguntar: se há subnotificação em uma informação autodeclarada, é porque nem todo mundo está confortável em responder. Se nem todo mundo está confortável em responder sobre a própria sexualidade: por quê?
O quanto nossa sociedade precisa avançar, não está escrito.
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