“Foram filhos ‘provisórios’, mas o amor vai ser eterno”: voluntária relata experiências acolhendo crianças afastadas do convívio familiar em Maringá

Maria Lúcia (nome fictício) é uma das inscritas no “Família Acolhedora” em Maringá, serviço que oferece lares temporários para crianças que foram afastadas, judicialmente, das famílias de origem. Em 14 anos, voluntária já acolheu 32 bebês em sua casa. Serviço segue com inscrições abertas na cidade.

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    Já são 14 anos oferecendo cuidado, proteção e amor para filhos de outras mães. Mesmo assim, é inevitável não falar de cada criança como se fossem seus próprios filhos. O vínculo, de sangue, não existe, o que existe é algo maior que une histórias que, em circunstâncias normais, talvez não se cruzassem. A Maria Lúcia (nome fictício) é voluntária do serviço “Família Acolhedora”.

    O serviço, intituído como política de Estado em nível de Brasil desde a década de 1990, sofreu transformações na lei ao longo dos anos, mas o objetivo sempre seguiu o mesmo: oferecer lares temporários para crianças que, judicialmente, foram afastados do convívio com as famílias de origem por motivos diversos. Em Maringá, o serviço é ofertado pela rede municipal de Assistência Social desde 2007, tendo sido formalizado como lei em 2023.

    Atualmente, a cidade tem 36 famílias inscritas no serviço, segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS). Do total, 14 estão acolhendo uma ou mais crianças no momento.

    A Maria Lúcia é uma das voluntárias atualmente prestando acolhimento a uma criança, a 33ª desde que se inscreveu no serviço pela primeira vez, em 2011. Hoje aos 56 anos, a voluntária explica que conheceu o programa quando foi levar um dos filhos a uma consulta médica. Mãe de dois filhos, ela diz que o amor é para dividir para todos.

    “Eu conheci esse projeto através de uma pessoa que estava num consultório. Fui levar o meu filho consultar e eu achei maravilhoso, né? Pensei, “eu me encaixo bem”. Eu gosto muito de crianças, principalmente bebês, e aí eu acolhi o primeiro e depois não parei mais”, conta.

    Segundo ela, que se colocou à disposição para cuidar de recém-nascidos, a despedida do primeiro bebê que acolheu foi difícil, mas com o tempo ela entendeu o papel que precisava cumprir enquanto uma mãe ‘provisória’.

    “Foi muito difícil para dizer adeus, mas depois eu fui entendendo qual é o papel da família acolhedora na vida do bebê. A gente precisa dar um lar para um bebê que não tenha um lar. Assim que eles arrumarem ou eles forem para adoção, eles não precisam mais de nós, mas a gente vai preparar o lar para receber um outro bebê. É um projeto maravilhoso, ele nos dá oportunidade de, como família, a gente dar o amor, ajudar nessa fase de transição que é tão difícil na vida deles”, relata.

    A voluntária também diz que o acolhimento de outras crianças ao longo dos anos ajudou na formação dos próprios filhos biológicos. “O amor tem pra dividir pra todos. Meus filhos já são adultos. Quando eu comecei no acolhimento, eles eram adolescentes e se tornaram seres humanos maravilhosos por esse projeto. Por ver os pais acolhendo crianças sem interesse nenhum. Eles vão embora, eu não sei quem adota, para onde que vai, então você só ajudou porque realmente eles precisam, é por amor mesmo, né? Então isso é tornar eles cidadãos. Hoje eles (os filhos biológicos) são homens de bem e vão ser por esse projeto”, explica.

    Lúcia ainda mantém contato com a família do primeiro bebê que acolheu e recorda com carinho de cada criança que cuidou. Ela diz que cada uma chega com suas particularidades e histórias únicas, cada uma com um lugar especial no coração.

    “Todas as crianças que chegam em casa eu faço fotografias. Eu tenho o meu álbum dos acolhidos e eu mando o álbum também pra família adotiva ou de origem. Então, eu sempre fico folhando aquele álbum e fico lembrando cada um com as suas historinhas. Todos têm um lugar especial no meu coração. Foram filhos provisórios, mas o amor vai ser eterno”, recorda.

    Inscrições abertas para voluntários: como participar?

    As inscrições para fazer parte do serviço Família Acolhedora ficam abertas durante todo o ano e podem ser feitas pela site da Prefeitura de Maringá, pessoalmente na sede da Secretaria de Assistência Social (Av. João Paulino Vieira Filho, 109) ou por telefone: (44) 3221-6400.

    Antes de serem inscritas, as famílias passam por uma análise das equipes da Assistência Social e, caso aprovadas, são chamadas para um curso de formação, com carga horária de 20h, dividido em quatro encontros. No ato da inscrição, os voluntários podem indicar a faixa etária de crianças que estão mais aptos a acolher. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o recomendado é que os acolhimentos em uma família provisória não durem mais do que 18 meses.

    Segundo a diretora da unidade do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora de Maringá, Karolline Baretta, não há restrição de idade, gênero ou obrigação de que o voluntário precise ser casado para se inscrever no serviço. No entanto, há alguns requisitos que precisam ser preenchidos. Um deles é não estar inscrito no cadastro nacional de adoção, nem ter a intenção de ficar com a criança acolhida ao término do vínculo.

    “O mais importante é que a família não pode ter interesse em adoção, porque o acolhimento não pode ser convertido em adoção. A Família Acolhedora não pode adotar nem a criança que está com ela, nem uma outra criança. A família precisa residir aqui em Maringá, ter mais de 21 anos, ter a aceitação de todo o grupo familiar, de todo mundo que mora na casa. É importante que todas as pessoas que moram na residência concordem com a proposta do acolhimento. Isso é importante ser conversado antes da família começar o processo de habilitação e nenhum dos membros da família pode apresentar problemas de saúde mental muito agravados que possam colocar a vida dessa criança ou desse adolescente em risco de alguma forma”, disse.

    A profissional também ressalta a importância da família interessada no acolhimento ter uma rede de apoio.

    “O último requisito que a gente tem é que a família acolhedora tenha uma rede de apoio. Porque, às vezes, a família acolhedora não vai conseguir buscar na escola, por questões de trabalho e tudo mais. Então, é importante que tenha essa rede de apoio para dar esse suporte eventual”, completou.

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