Pesquisadores de Maringá alertam para os perigos da superexposição infantil nas redes sociais

Estudo conduzido por pesquisadores de Maringá analisa os riscos do sharenting e propõe diretrizes para proteger a infância no ambiente digital.

  • Uma prática comum nas redes sociais — o compartilhamento excessivo de imagens e informações sobre crianças por seus próprios pais — está no centro de uma preocupação crescente entre estudiosos da ética e da infância. Essa é a conclusão de um estudo publicado na Revista Bioética por pesquisadores do Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), em Maringá (PR), que investigaram as implicações do sharenting, termo que combina “sharing” (compartilhar) e “parenting” (parentalidade).

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    Foto: Reprodução

    O artigo assinado pela estudante de Psicologia Sophia Ivantes Rodrigues, 21 anos, sob orientação dos professores Leonardo Pestillo de Oliveira e Lucas França Garcia traz uma revisão integrativa de 73 estudos internacionais, analisando as consequências do fenômeno sob quatro eixos principais: privacidade e segurança digital, implicações psicológicas e culturais, dinâmica familiar e social, e respostas legais e institucionais.

    “É preciso olhar com mais cuidado para os impactos dessa prática, que muitas vezes ocorre sem o devido consentimento das crianças, expondo-as a riscos que vão da violação de privacidade a crimes como fraudes e pedofilia”, aponta Lucas França Garcia, um dos autores do trabalho.

    Exposição sem limites

    Segundo o estudo, cerca de 81% das crianças com menos de dois anos em países desenvolvidos já possuem uma pegada digital criada por seus pais — uma identidade online que começa antes mesmo de terem autonomia para escolher o que desejam compartilhar.

    A pesquisa revela ainda que o sharenting pode gerar efeitos psicológicos duradouros: crianças relatam vergonha, frustração e perda de controle sobre sua imagem, especialmente ao entrarem na adolescência. Em alguns casos, pedem aos pais que retirem publicações antigas — o que, na prática, é quase impossível de ser totalmente efetivado.

    Perigos que ultrapassam o mundo virtual

    Além dos efeitos emocionais, os riscos de segurança são alarmantes. As imagens e dados publicados por familiares são facilmente utilizados por redes criminosas. Estima-se que, até 2030, fraudes com identidades infantis podem ultrapassar 7 milhões de casos globalmente. Há ainda o risco de uso indevido de fotos em redes de pedofilia, já que muitas dessas imagens são retiradas diretamente das redes sociais de pais e responsáveis.

    “Mesmo quando o perfil é privado, as informações não estão seguras. As políticas de privacidade das plataformas são frágeis, e a própria rede de contatos pode representar riscos”, observa Sophia Ivantes Rodrigues, autora principal da pesquisa.

    Pais, filhos e conflitos familiares

    Outro ponto debatido pelos pesquisadores é a transformação da relação entre pais e filhos. Com frequência, o desejo de compartilhar momentos familiares colide com o direito à privacidade da criança. A prática também tem gerado tensões entre familiares, como no caso dos avós que postam fotos dos netos sem o consentimento dos pais — o chamado grand-sharenting.

    Em muitos casos, o sharenting está associado à busca por validação social, visibilidade e até mesmo retorno financeiro, sobretudo entre mães influenciadoras digitais. “A imagem da criança se torna um ativo, usado para fortalecer a presença dos pais nas redes ou gerar engajamento com marcas”, explicam os autores.

    O que fazer?

    Para os pesquisadores, é urgente promover o que chamam de “sharenting consciente”: práticas que respeitem a privacidade das crianças e limitem o compartilhamento a conteúdos adequados e consentidos. Isso envolve, inclusive, educar os pais sobre os riscos e promover recomendações públicas mais claras, além de regulamentações específicas para as redes sociais.

    O estudo destaca ainda que países como França e Reino Unido já possuem legislações que permitem que filhos processem os pais por exposição indevida. No Brasil, embora haja proteção constitucional à infância, ainda há lacunas em relação ao uso da imagem e dados pessoais de menores na internet.

    “O que está em jogo é o direito da criança a ter uma identidade digital protegida e uma infância livre de exposição desnecessária”, resume Leonardo Pestillo de Oliveira, coautor da pesquisa.

    A mensagem do estudo é clara: os pais precisam refletir sobre o que postam, para quem postam e por quê. Em uma era em que tudo parece poder ser compartilhado, o desafio é justamente aprender a preservar.

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