Finados: Conheça a história do túmulo mais visitado do Cemitério de Maringá

Acusado injustamente de um crime que nunca foi provado, o jovem Clodimar Pedrosa Lô foi torturado e morto por policiais, em 23 de novembro de 1967. Caso gerou comoção da população e virou tema de livro.

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    O dia de Finados, celebrado neste 2 de novembro, tradicionalmente movimenta o Cemitério Municipal de Maringá. Por lá, são mais de 80 mil jazigos instalados no decorrer dos anos. A expectativa é de pela presença de mais de 100 mil visitantes neste sábado (2).

    Um túmulo, em especial, chama a atenção. Instalado na década de 1960, ele segue recebendo homenagens até os dias atuais, quase 60 anos depois. A curiosidade dos visitantes fez com que ele recebesse o título simbólico de túmulo mais visitado do Cemitério de Maringá. Mas qual é a história por trás dele? É o que Maringá Post irá contar.

    A sepultura em questão pertence a Clodimar Pedrosa Lô, vítima de um dos crimes que mais comoveu a sociedade maringaense. Tudo ocorreu em 23 de novembro de 1967. Para contar esta história, a reportagem entrevistou o historiador Miguel Fernando, que escreveu um livro sobre o caso, lançado em novembro de 2022: “Sala dos Suplícios: o dossiê do caso Clodimar Pedrosa Lô“.

    Trabalhando como auxiliar de serviços gerais em um famoso hotel de Maringá, Clodimar, que na época tinha de 14 para 15 anos, foi acusado de roubo por parte de um hóspede. A polícia foi acionada e, embora ele tenha negado o crime, foi levado por dois soldados até a antiga delegacia da cidade, que ficava situada onde hoje encontra-se o 5º Grupamento de Bombeiros.

    Lá, o jovem permaneceu preso durante horas, onde foi torturado em um lugar que ficou conhecido como “Sala dos Suplícios”. Ele acabou não resistindo as sessões e acabou morrendo. O suposto crime, em questão, nunca foi provado, enquanto que dois dos policiais acusados da tortura fugiram para o Maranhão, em função da pressão feita pela sociedade da época por justiça.

    De acordo com Miguel, o caso envolvendo Clodimar é um reflexo da realidade do Brasil naquele período, um jovem, nordestino, que tenta ganhar a vida no sul/sudeste do país, mas acaba confrontado pelas injustiças sociais.

    “Naquela época, década de 1960, era muito comum que os jovens amadurecessem muito mais cedo, então a partir dos 10 anos, a maioria dos meninos e meninas já estavam trabalhando. Não foi uma excepcionalidade, infelizmente o que aconteceu com o Clodimar era algo muito comum, um jovem nordestino que deixa a família, de origem humilde, para tentar a vida nas regiões mais desenvolvidas”, conta.

    Clodimar nasceu no município de Parambu, no interior do Ceará. A escolha por Maringá se deu por conta de um tio que já morava na cidade. Em solo paranaense, o adolescente trabalhou como engraxate, carregador e outras atividades até conseguir um emprego como auxiliar de serviços gerais em um hotel, localizado na Avenida Brasil. Em 23 de novembro de 1967, a chegada de um importante hóspede mudaria a trajetória do jovem para sempre.

    “No dia 23 de novembro de 1967, chegou um hóspede chamado Antônio Ford. Ele era cobrador da Casa Zalô Brasil, se hospeda, vai até o quarto, deixa as coisas e desce para tomar um café no estabelecimento que tinha do lado. Quando ele volta para o quarto, dá falta de um dinheiro que ele havia arrecadado com a empresa. Então, ele vai até o gerente do hotel e procura esclarecimentos. Há algumas suspeitas que recaem sobre Clodimar, que nega o crime. Mas ao invés de chamar o tutor do Clodimar, porque ele era menor de idade, o gerente acaba chamando a polícia e dois soldados vão averiguar o caso. Com o Clodimar negando as acusações, eles decidem levar o jovem até a delegacia”, descreve Miguel Fernando.

    No local, o adolescente é submetido a sessões de tortura. Documentos da época relatam que, após algum tempo, Clodimar Pedrosa teria confessado o crime e indicado três locais onde supostamente havia escondido o dinheiro. Os policiais teriam ido até os locais indicados, mas nada foi encontrado.

    “Chegando lá (na Delegacia), eles direcionam o garoto até um espaço que a gente descobre depois, na pesquisa, que era uma área institucionalizada para tortura, chamada entre os soldados de Sala dos Suplícios. Clodimar é torturado durante horas até que, em determinado momento, ele teria confessado o crime. Após várias horas de tortura, o jovem desmaia e não retorna mais. É quando os soldados decidem levar o adolescente até um hospital em Mandaguari. Há relatos até de que, no trajeto, Clodimar tenta pular da viatura e se machuca. Ele acabou morrendo na sequência”, conta Miguel.

    Após a população tomar conhecimento do caso, a revolta toma conta da cidade e o corpo do menino é levado para Curitiba, a fim de que se descubra o que de fato ocorreu dentro da Delegacia. Neste meio tempo, os soldados envolvidos fogem da cidade e o pai de Clodimar, Sebastião Pedrosa, vem do Ceará em busca de vingança. Três anos mais tarde e sem encontrar os policiais, o pai do menino mata o então gerente do hotel que fez a denúncia, em 15 de outubro de 1970. Mesmo confessando o assassinato do gerente, Sebastião foi absolvido do crime, com uma tese baseada na legítima defesa da honra.

    A comoção da cidade pelo crime fez com que Clodimar fosse reconhecido como uma espécie de ‘Santo’ popular, embora não reconhecido pela Igreja Católica.

    “O túmulo do Clodimar, logo após o sepultamento, passa a ser o túmulo mais visitado do cemitério. As pessoas o conectavam muito com essa figura de um um inocente condenado até a morte, fazendo uma espécie de canonização. Hoje é o túmulo certamente mais visitado, com o maior número de placas alcançadas. Ele não é reconhecido pela igreja católica, mas é considerado pelos pelos fiéis dele como um santo, que a gente qualifica assim na história”, finaliza Miguel.

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