Convidada da Flim, Patrícia Campos Mello fala sobre o trabalho do Jornalismo na sociedade atual: “É uma divisão que veio para ficar”

Autora do livro “A Máquina do Ódio” e vencedora do prêmio Vladimir Herzog, a correspondente da Folha de S. Paulo concedeu uma entrevista exclusiva ao Maringá Post. Ela estará na Festa Literária Internacional de Maringá (Flim) na noite dessa quinta-feira (5).

  • Autora do livro “A Máquina do Ódio” e vencedora do prêmio Vladimir Herzog, a correspondente da Folha de S. Paulo concedeu uma entrevista exclusiva ao Maringá Post. Ela estará na Festa Literária Internacional de Maringá (Flim) na noite dessa quinta-feira (5).

    Por Victor Ramalho

    Na literatura contemporânea, há autores que falam sobre as mudanças do indivíduo na sociedade “pós-moderna”. O consumo massivo de informações, proveniente das redes sociais e do avanço tecnológico faz com que as pessoas sintam necessidade de ter prazer a cada tarefa do dia a dia.

    O Jornalismo é uma instituição afetada pela pós-modernidade, uma vez que ele não existe para dar prazer ao leitor, mas justamente para fazer o contraponto. Soma-se a isso o clima de polarização política existente no Brasil desde as manifestações de 2013 e criamos um ambiente que exala hostilidade não só para jornalistas, mas para todos aqueles que pensam diferente.

    A jornalista Patrícia Campos Mello sabe bem o que é isso. Repórter da Folha de S. Paulo desde 2011, ela já tem uma carreira consolidada no Jornalismo brasileiro por conta de sua atuação com Relações Internacionais, sendo correspondente internacional em Washington entre 2006 e 2010, à época trabalhando para o Estadão e vencedora do 41º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em 2019. No entanto, o nome da profissional foi ganhar notoriedade em 2018, após publicar uma série de reportagens mostrando como funcionavam os esquemas de disparos de informação em massa via Whatsapp em benefício ao então candidato à Presidência Jair Bolsonaro, à época filiado ao Partido Social Liberal (PSL).

    Rapidamente, Patrícia passou a ser alvo de ofensas e inclusive ameaças de apoiadores e grupos ligados ao então candidato pelas redes sociais. O período tenso resultou na escrita do livro “A máquina do ódio: Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital”, publicado em 2020 pela Companhia das Letras, mais um para a galeria de escritos da colunista.

    Na obra, ela relata justamente sobre o que viveu no período em que tentou realizar a tarefa básica de qualquer Jornalista: apurar e noticiar fatos. Patrícia Campos Mello é uma das atrações principais da edição de 2023 da Festa Literária Internacional de Maringá (Flim) e, nesta terça-feira (3), concedeu uma entrevista exclusiva ao Maringá Post.

    De acordo com a profissional, o clima de hostilidade ainda vivido por Jornalistas é resultado de direto da atual conjuntura social. “Obviamente que essa divisão no Brasil nós começamos a ter de forma mais forte a partir de 2017, embora possamos dizer que é algo recorrente desde 2013, a partir das manifestações que deixaram fraturas em nossa sociedade, mas essa divisão veio para ficar. Ainda vemos uma hostilidade de parte da sociedade com a outra. As pessoas não encaram mais quem pensa diferente delas simplesmente como pessoas que têm o direito de pensar diferente, elas são vistas como inimigas e isso é muito ruim, é uma fratura no tecido social”, opina.

    Patrícia acredita que, mesmo com a transição de governo, o clima para se trabalhar com Jornalismo no país continua pesado, embora tenha melhorado em partes. Segundo a profissional, isso é resultado de anos de ataques contra instituição.

    “Acho que o atual governo não tem pretensões antidemocráticas, não há tentativas de implementar medidas que vão contra a democracia, mas obviamente é um governo que tem problemas e a gente tem que cobrir de forma independente, apontar os problemas quando existirem, isso não significa igualar com o governo anterior que tinha claramente tendências autoritárias, além dos problemas costumeiros de qualquer governo. Mas, penso que como não temos mais um chefe de Estado incitando a população contra o Jornalismo e Jornalistas, esse clima para se trabalhar no Brasil melhora, mas ainda existe uma hostilidade de parte da sociedade contra o Jornalismo tradicional, pois foram anos dizendo que Jornalistas são parte de uma conspiração ou que têm segundas intenções”, afirma.

    Recuperar a credibilidade do Jornalismo, no entanto, também é uma tarefa dos Jornalistas, na opinião dela. O momento vivido nos últimos anos, reforça, serviu de reflexão para entender os erros e acertos da imprensa. “É algo que nos faz refletir, entender quais foram os erros dos Jornalistas, quais foram os erros de parte da imprensa em algumas coberturas que levaram as pessoas a verem menos credibilidade na imprensa, ao mesmo tempo que acho importante duas coisas: a cobertura durante a Covid-19, que acho que foi algo grandioso, com analistas na linha de frente, acompanhando tudo, acho que foi algo que ajudou a recuperar a credibilidade do Jornalismo e mesmo essa independência que a maior parte dos veículos mantiveram durante o governo Bolsonaro, isso foi muito importante, o ato de não se curvar a pressões e continuar fazendo o Jornalismo equilibrado”, diz.

    O viés literário

    Além de “Máquina do Ódio”, Patrícia Campos Mello também é autora de “Lua de Mel em Kobane”, publicado em 2017 e resultado de uma história que conheceu enquanto era correspondente internacional, relatando a vida de um casal de sírios que se conheceu pela internet e se arriscou a viver em Kobane, cidade sitiada pelo Estado Islâmico.

    Na participação dela na Flim, marcada para quinta-feira (5), ela participará de uma mesa com o tema “A jornada de uma repórter entre fronteiras”, justamente relatando sua experiência enquanto correspondente internacional. O encontro iniciará às 20h30 e terá mediação do sociólogo Joel Cavalcante.

    “Eu tive uma experiência internacional grande desde o início da carreira. Eu estudei em uma escola alemã, depois transferi parte da faculdade da USP para os Estados Unidos, então os assuntos internacionais sempre me interessaram e a parte de diplomacia e política externa é algo que me interessa muito. Acho que o Brasil tem uma tradição de diplomacia muito estabelecida e acho muito relevante essa cobertura. Depois que fui correspondente em Washington, de 2006 a 2010, acho que isso ficou ainda mais importante para mim”, diz Patrícia sobre o interesse por diplomacia internacional.

    Atualmente, ela segue escrevendo sobre o assunto para a Folha de S. Paulo. De acordo com a Jornalista, a principal diferença que ela nota na escrita jornalística para a literária está na riqueza dos detalhes.

    “Vou te falar que acho que a diferença básica é a profundidade e o nível de detalhes. O tempo para você pensar a escrita, editar um livro para ele ficar realmente bom é muito importante, então acho que meu aprendizado foi basicamente esse, o aprofundamento e atenção aos detalhes, o ato de voltar e reescrever quantas vezes for necessário. Penso que quanto mais você reescreve, melhor fica a matéria”, explica.

    Ela encerra o papo dando uma dica para Jornalistas que querem se aventurar na escrita literária. “O primeiro conselho que eu daria é: ouça muito mais do que fale. Essa é a essência do Jornalismo, chegar numa posição de que você quer entender um fato, uma posição e não ficar o tempo inteiro fortificando. É até um exercício de humildade a gente tentar, na medida do possível, se despir de nossas crenças já existentes e opiniões”, finaliza.

    Foto: Reprodução/Brasil de Fato

    Comentários estão fechados.