Neta de pioneiro maringaense, advogada revelou, com exclusividade ao Maringá Post, os desafios da conquista da licença japonesa para advogar naquele país
Por Wilame Prado
Pesquisas recentes mostram que as faculdades de Direito no Brasil não chegam a aprovar nem 30% dos alunos das turmas de bacharéis no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A maringaense Márcia Regina Arai Tavares Koshiba foi além: conquistou a licença também no Japão e hoje é a única mulher brasileira que está inscrita ativamente como advogada estrangeira autorizada para advogar naquele país.
Márcia já tinha OAB no Brasil e foi auxiliar de juiz no Brasil quando resolveu viajar ao Japão e conhecer a terra dos seus ancestrais. O itinerário que serviria para conhecer o Japão, em 2005, acabou se tornando viagem só de ida. Desde então, ela mora e atua na área da advocacia na cidade de Okazaki, próximo a Nagoia na província de Aichi-ken, e enfrentou uma batalha de quase 5 anos para assim se tornar uma advogada estrangeira no Japão.
“Iniciei minha trajetória profissional no Japão como assistente jurídica em um escritório de advocacia juntamente com advogados japoneses. À época, o advogado líder do escritório sugeriu para trabalhar como advogada estrangeira legalizada e não mais como assistente no escritório. Para isso precisava da licença para exercer a atividade e a devida inscrição no “bengoshikai“ (Ordem dos Advogados no Japão)”, explicou Márcia, em entrevista exclusiva ao Maringá Post.
À época, os advogados japoneses explicaram que, no Japão, dar consultas mesmo sendo advogado brasileiro, fechar contrato de honorários, providenciar documentos de terceiro como advogado, isso tudo sem ter a licença no Japão seria algo considerado grave, podendo responder pela prática do exercício irregular da profissão. “Então, como o convite foi ser advogada no escritório e não mais assistente, encarei o desafio, que foi árduo, mas, valeu a pena.”
De passagem por Maringá, onde mantém parcerias de trabalho na área da advocacia que presta serviços para brasileiros que moram no exterior, Márcia Arai contou um pouco de sua história de vida e os desafios profissionais para exercer a sua profissão no Japão.
Neta de pioneiro maringaense
Nascida em São Paulo, mas vivendo boa parte da infância em Maringá, Márcia Arai é neta do pioneiro maringaense Shigueo Arai (em memória), que foi um dos fundadores da Associação Cultural e Esportiva de Maringá (Acema).
A mãe dela, Massako Arai Tavares (em memória), nasceu e se criou em Maringá, vindo a fazer faculdade na UEM na área das ciências exatas e posteriormente atuando como professora na região. “Na infância da minha mãe, ela estudou no Colégio Gastão Vidigal (localizado na época onde é a região do Instituto de Educação) e era frequente se reunir no caminho da fazenda e todos que moravam na região ir de bicicleta para a escola, inclusive os irmãos Alvaro Dias e Osmar Dias, que ficaram conhecidos pela atuação na política”, disse Márcia.
Lembranças que ela guarda com carinho de Maringá, mesma cidade do marido dela, Rafael Koshiba, que atua na área da tecnologia e logística no Japão. “Por acaso, conheci o meu marido lá no Japão e por coincidência ele também é de Maringá”, comentou. O casal tem um filho, o Pedro, de 15 anos, que veio ao Brasil com a mãe este ano e já se matriculou em um colégio maringaense para não perder tempo de estudo.
Fases do exame da ordem japonês
“Antes de efetivamente resolver tentar advogar no Japão, eu estudei um pouco a língua japonesa por dois anos, para assim ter um mínimo de condições de participar do exame japonês, chamado de ‘Gaikoku bengoshi Shonin Tetsuzuki’”, explica Márcia, também ex-aluna do Colégio Estadual Gastão Vidigal, em Maringá.
Depois disso, relembra a advogada, o processo envolveu algumas fases complexas, a primeira delas exigindo extensa documentação. “Eu precisei correr muito atrás a respeito do processo para obter aprovação do Ministério da Justiça e da Ordem dos Advogados no Japão, e precisei de muita documentação que estava no Brasil para que chegasse a tempo no Japão, e eles exigem que seu nome nem sequer tenha dívidas, por exemplo. Eles investigam exaustivamente a sua vida pregressa”.
Segundo a advogada, eles pedem, dentre outros documentos, um comprovante de que a pessoa estrangeira possua pelo menos 1 milhão de ienes em poupança, o que equivaleria a aproximadamente R$ 30 mil à época, tratando-se de uma espécie de prova de que aquela pessoa não precisará de auxílio do governo para sobreviver no Japão. Ainda nesta fase, há questionário objetivo, com quesitos pessoais, profissionais e que medem o saber jurídico.
A segunda fase do exame da ordem japonês complica ainda mais, disse Márcia. “Parece uma entrevista de emprego, com perguntas feitas por um avaliador que atua no Ministério da Justiça do Japão. Eu reprovei na primeira vez”.
A terceira etapa é apenas para os fortes: entrevista diretamente com o ministro da Justiça do Japão, uma espécie de “Flávio Dino japonês”, brinca.
“Depois disso, é preciso aguardar o crivo da ordem dos advogados lá do Japão, chamado de Bengoshikai, que conta com escritórios nas capitais das províncias ou em cidades de grande e médio porte. Por fim há juramento e depois um discurso de compromisso assistido por colegas advogados. Foi emocionante e desafiador também conseguir me expressar em japonês durante essa conquista”, relembrou Márcia.
Advogados internacionalistas
Nessa conexão entre Japão e Brasil, a advogada Márcia Arai se especializou em Direito Internacional. “Tem muito brasileiro fora do Brasil, e não apenas no Japão”, disse. Por esse motivo, ela aproveitou a visita ao País para se colocar à disposição e abrir novas discussões sobre o direito dos estrangeiros.
Dentre outras experiências, ela trabalhou prestando assistência gratuita no Consulado-Geral do Brasil em Nagoia por cinco anos, e vem dialogando com a OAB de Maringá para contribuir com o tema na cidade e no Estado. “Temos um grupo de internacionalistas que atuam no mundo todo, estamos conectados e sempre discutindo novos casos que surgem envolvendo brasileiros em diferentes lugares do mundo”, revelou.
A maioria dos casos, pelo menos no Japão, envolve Direito da Família. Ela se deparou com inúmeros casais que se divorciaram e precisaram entender como seria a guarda da criança e a pensão alimentícia em outro país e com a possível distância entre continentes.
“No Japão, ao se separar, uma mulher brasileira perderá o visto, mas se ela levar o filho dela, que nasceu no Japão, de volta para o Brasil, a justiça japonesa aplicará o direito internacional e determinará se tratar de subtração de menor. Casos muito complexos! Como resolver? Aí entra o advogado internacionalista, com noções das leis dos dois países e o conhecimento dos tratados internacionais”, exemplificou.
Poucos crimes, poucos advogados
Em artigo veiculado no site Conjur em 2017, Otavio Luiz Rodrigues Junior aponta que, no Japão, o número de advogados em atividade sempre foi relativamente baixo. Uma possível explicação se dá pelas características intrínsecas àquela Nação: “Índices reduzidos de criminalidade, baixa litigiosidade privada e um senso de dever individual arraigado”, cita o artigo.
Nos anos 1990, o índice de aprovação no exame da ordem daquele país era de 3%, com um limite de apenas 500 vagas por ano. Em 1997, enquanto nos EUA haviam 941 mil advogados inscritos, no Japão esse número era de apenas 20 mil advogados.
No entanto, essa situação levou a uma reforma do ensino jurídico, materializada em 2004, tendo um novo modelo de exame da ordem a partir de 2010 – isso para advogados japoneses. No caso de Márcia Akemi, o processo de avaliação é distinto, por se tratar de pessoa estrangeira que busca a licença para advogar no Japão.
Ainda de acordo com artigo de Otavio Luiz Rodrigues Junior, uma pesquisa desenvolvida por Masahiro Tanaka, da Universidade de Tsukuba, apontou que, em dez anos, o número de interessados em ingressar em cursos jurídicos no Japão caiu de 72.800 para 11.450.
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