Às 4h da manhã, bem antes de muita gente pensar em sair da cama, Carmelita Maria Pina, de 65 anos, está de pé. Ainda escuro, ela anda de um lado para o outro na cozinha de casa e prepara um café da manhã completo: café, chá, leite, pão caseiro, bolo e a tradicional receita de bolinho de vinagre da família.
No entanto, ela não senta à mesa com o marido ou os filhos para comer. Carmelita coloca todos os produtos em um carrinho de supermercado e vai até a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Conjunto Requião, bairro onde mora há 26 anos.
Ela prefere levar todos os quitutes e tomar café da manhã com os pacientes, gestantes, idosos ou crianças que saem cedo de casa em busca de consulta ou exame médio e não têm tempo ou condições financeiras para se alimentar.
Foi com essa situação que Carmelita se deparou há cerca de um ano, quando foi procurar atendimento médico no posto de saúde. “Eu vi uma gestante quase desmaiando e ela me disse que não tinha comido nada e que iria trabalhar sem comer porque não tinha um centavo. Fui para casa chorando, eu não aceito uma situação dessas. Falei: ‘Deus, não tenho dinheiro, mas se o senhor me ajudar eu vou conseguir'”.
É com o dinheiro que ganha vendendo Avon e salgados ou com ajuda de doações espontâneas que Carmelita compra os produtos para preparar o café da manhã dos pacientes. Tem dias que falta o ovo ou a farinha para fazer os bolinhos, mas sempre aparece alguém no portão de casa com a doação. “Eu não peço ajuda, mas se alguém sente necessidade de ajudar estamos aqui para receber”.
Para ela, que está todos os dias, de segunda-feira a sexta-feira na UBS, não tem sensação melhor do que as crianças pedirem um pedaço de bolo e Carmelita conseguir oferecer. Quando chove e ela não consegue ir até o posto de saúde, Carmelita conta que fica com o coração apertado. “Eu fico muito triste e penso: ‘Está frio, chovendo e um cafezinho com leite ia tão bem, e o que eles vão comer hoje?'”.
Não é só para os pacientes que Carmelita prepara os quitutes do café da manhã. Os médicos, enfermeiros ou até quem passa pelo posto e quer um dedinho de prosa acompanhado de um bom café preto também aproveita o momento para conversar com Carmelita. E assim, ela passa a manhã contando histórias, escutando e fazendo amizades no posto de saúde.
“O pessoal vai lá, conversa comigo e até me pergunta quanto é o cafézinho ou o bolinho. Quando eu falo que não é nada eles falam: ‘Ah, mas a senhora tem que vender’. Não, eu não vendo, só das pessoas falarem ‘que Deus abençoe o trabalho da senhora’, estão me dando um ganho enorme e me ajudando muito”, conta Carmelita.
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