A compra de produtos da agricultura familiar para a merenda das escolas estaduais de Maringá se transformou em uma briga entre cooperativas da região. O caso foi parar no Ministério da Agricultura e o funcionário da Emater de Mandaguaçu, José Sérgio Righetti, acusado de fraudes na licitação, foi transferido para outras atividades.
Righetti nega todas as acusações e diz que realizou apenas o seu trabalho. A Emater abriu um procedimento administrativo para investigar o caso e, por enquanto, o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional (Fundepar), não vê motivos para alterar os resultados da licitação realizada em janeiro de 2019.
A legislação federal determina que 30% dos recursos repassados aos Estados para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) sejam utilizados para compra de produtos da agricultura familiar.
No Paraná, o Fundepar realiza anualmente chamada pública para cadastro de associações e cooperativas da agricultura familiar para os fornecimento de produtos às escolas da rede estadual.
Em 2019, os resultados do edital para a compra dos produtos da agricultura familiar para a merenda das escolas estaduais de Maringá foi questionado pela Cooperativa Industrial (Cooperervas), com sede no Distrito de Iguatemi.
A Cooperervas, que ficou em segundo lugar na distribuição de produtos para merenda das escolas estaduais em Maringá, alega que a vencedora, a Cooperativa dos Agricultores Familiares da Região de Maringá (Coafam), com sede em Mandaguaçu, manipulou documentos dos cooperados, com ajuda do funcionário da Emater, para vencer o edital.
O edital do Fundepar prevê alguns critérios para definir as cooperativas que vão ficar responsáveis pela distribuição dos alimentos nas escolas.
Um deses critérios, é que a cooperativa tenha no quadro de cooperados mais de 50% das Declarações de Aptidão ao Pronaf (Daps) no município em que pretende ofertar o serviço.
A Dap é um documento de identificação do agricultor que pode ser obtida tanto pelo agricultor familiar (pessoa física) quanto pelo empreendimento familiar rural como associações, cooperativas, agroindústrias (pessoa jurídica).
Após denúncias da Cooperervas, o Ministério da Agricultura concluiu pela existência de irregularidades na emissão das Daps que beneficiaram a Coafam no chamamento público e suspendeu a Dap jurídica da cooperativa.
A Emater também instaurou processo administrativo para apurar a conduta do funcionário. Apesar disso, a Coafam continua entregando os produtos nas escolas. Além de Maringá, a Coafam também venceu em 22 cidades do Paraná e empatou em 28 municípios. O contrato firmado com a cooperativa é de R$ R$ 1.973.036,08.
Neste ano, o Governo do Estado liberou R$ 65 milhões para contratações de cooperativas de agricultura familiar.
Documentos foram atualizados em domingo
Segundo denúncia da Cooperervas, embora o presidente da Coafam seja José William Galacini, o funcionário da Emater em Mandaguaçu, José Sérgio Righetti, atuava como “sócio oculto”. Com acesso ao sistema da Emater, Righetti é acusado de manipular as Daps jurídicas para beneficiar a cooperativa.
Os documentos apresentados pela Cooperervas apontam que em 21 de janeiro de 2019, último dia para apresentar as propostas e participar do edital, ocorreram movimentações no cadastro da Coafam:
- Às 13h14, a Coafam tinha 226 cooperados. Desse total, 45 eram produtores de Maringá, o que dá apenas 19% do total de associados.
- Às 16h28, poucos minutos antes do sistema fechar às 17h, a Dap jurídica da Coafam foi atualizada. Dos 226 cooperados restaram apenas 144 e o número de agricultores de Maringá passou de 45 para 74.
Assim, a Coafam conseguiu 51% dos cooperados e venceu o chamamento em Maringá, já que nenhuma outra cooperativa tinha mais de 50% das declarações na cidade. Segundo a Cooperervas, as manobras nos Daps, às vésperas da licitação, foram irregulares.
Segundo o Ministério da Agricultura, o agricultor só pode obter a Dap no município onde mora. No entanto, segundo a denúncia da Cooperervas, dez declarações de produtores de Maringá foram atualizadas pelo funcionário da Emater em Mandaguaçu.
A cooperativa também afirma que cinco declarações foram atualizadas no dia 20 de janeiro, ou seja, um domingo, dia da semana que a Emater não tem expediente.
Mesmo sem documentação, Coafam é quem fornece
A Coopervas apresentou recurso para junto ao Fundepar, que encaminhou o recurso para manifestação da Emater. A Emater informou que a DAP jurídica da Coafam estava regular e o Fundepar indeferiu o recurso.
A cooperativa recorreu ao Ministério da Agricultura, que entrou em contato com a Emater e uma sindicância interna foi instalada para analisar o caso. O relatório do Ministério da Agricultura não apresenta os resultados da sindicância, mas conclui que as irregularidades beneficiaram a Coafam no chamamento público.
Segundo relatório, José Sérgio Righetti agiu com negligência, imprudência e imperícia por interesses próprios e benefícios pessoais. O relatório recomendou que Righetti fosse suspenso das atividades por 90 dias.
A Dap jurídica da Coafam também foi suspensa 90 dias. No entanto, apesar da declaração suspensa, a cooperativa continua a fazer a entrega da merenda nas escolas estaduais de Maringá. A cláusula vigésima sexta do edital do Fundepar afirma que uma das obrigações da contratada é “manter durante toda a execução do contrato, em consonância com as obrigações assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas”.
O Maringá Post entrou em contato com assessoria de imprensa do Fundepar. Segundo o instituto, na época do credenciamento, a Coafam não tinha nenhum impedimento legal que descumprisse as exigências do edital. Apesar do relatório do Ministério Agricultura, o Fundepar disse que cabe recurso da Coafam e que espera decisão do Ministério para tomar qualquer medida.
Segundo o diretor técnico da Emater Paraná, Nelson Harger, o funcionário José Sérgio Righetti continua trabalhando, mas desempenha outras funções e não presta assessoria para cooperativas, como fazia anteriormente.
De acordo com Harger, foi aberto processo administrativo interno para apurar os fatos e levantar as possíveis responsabilidades dos envolvidos. A previsão é que a sindicância seja concluída em julho.
Cooperervas avalia encerrar as atividades
A Cooperervas foi criada em 2007, no Distrito de Iguatemi. Atualmente, a cooperativa reúne 224 associados, 90 deles são de Maringá. A associação trabalha com o fornecimento de legumes, vegetais, frutas, polpas, produtos panificados, peixes e carnes. Segundo o presidente da Cooperervas, Hemerson Imbriani Barbieri, apesar de ter sede em Maringá, há três anos a cooperativa não entrega merenda na cidade.
No edital da Fundepar desse ano, a cooperativa foi classificada para entregar produtos em Cianorte e em cidades da região metropolitana de Curitiba, como Campo Largo e Balsa Nova. O valor do contrato é de R$ 787.451,88, mas segundo Hemerson, os recursos não são suficientes para custear os gastos da cooperativa.
“Somos a única indústria de polpa do Norte do Paraná e estamos prestes as fechar as portas. O que a gente ganhou com o Fundepar não chega a pagar nossa energia elétrica. Só de polpa de fruta não dá R$ 400 mil [durante 12 meses] e temos uma conta de energia de R$ 7 a R$ 8 mil por mês, sem contar os funcionários. A gente está trabalhando hoje, praticamente, com ajuda dos agricultores”, afirmou o presidente.
Para a cooperativa, pelo fato de estar com a Dap suspensa, a Coafam não poderia entregar merenda escolar. Segundo Barbieri, a Coafam atua de forma irregular nos editais há cerca de três anos, principalmente ao incluir e excluir nome de agricultores sem autorização. De acordo com ele, até o nome do vice-presidente da Cooperervas, José Luis Bordim, constava como um dos associados da Coafam.
A reportagem procurou a Coafam que preferiu se manifestar por meio de nota. O Maringá Post questionou a cooperativa sobre as denúncias de irregularidades que teriam beneficiado a cooperativa e a relação da Coafam com o funcionário da Emater José Sérgio Righetti. Além disso, perguntou se a cooperativa incluiu e excluiu nomes de produtores sem autorização, como acusa a Cooperervas.
Em nota, a Coafam declarou que “as informações descritas na denúncia são descabidas”. Segundo a cooperativa, a denúncia foi levada ao Fundepar e ao Ministério da Agricultura no começo do ano. Da mesma forma que a Coafam apresentou defesa ao Fundepar e a denúncia foi indeferida, a cooperativa disse que pretende apresentar defesa para o Ministério da Agricultura e eliminar a suspensão da Dap.
Funcionário da Emater nega qualquer fraude
O funcionário da Emater de Mandaguaçu, José Sérgio Righetti, afirmou que as denúncias são infundadas. Nas respostas enviadas para os questionamentos da Emater no processo de sindicância, ele afirmou que “todas as conclusões de sindicância são descabidas, tendenciosas e emitidas por negligência e imperícia”.
Righetti disse que apenas prestou serviço de assessoria técnica à cooperativa por meio do programa Nutre Mais Gestão, lançado em 2015 pelo então Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). “Não fiz nada mais do que o meu trabalho. Realmente, apoie esses agricultores e existe uma diretoria formalmente eleita e registrada. Inclusive, há no estatuto que para ser diretor precisa ser agricultor familiar, coisa que não sou”.
O funcionário da Emater também afirmou que, apesar de estar lotado em Mandaguaçu, 20% do tempo dele é destinado para atender aos produtores de Maringá, o que justifica o fato dele ter atualizado Daps de produtores da cidade. “Eles alegam que trabalhei no final de semana, mas isso na minha vida sempre foi normal, sempre atendi produtor no final de semana. Tendo disponibilidade de tempo, eu atendo”.
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