Comerciante mais antigo de Maringá, Francisco Morales, completa 63 anos de atividade no mesmo ponto da Avenida Brasil

  • Chegar aos 63 anos de idade é um privilégio. Mas esse não é o tempo de vida do comerciante Francisco Morales. É o tempo que ele passou trabalhando exatamente no mesmo ponto comercial: uma pequena loja na Avenida Brasil, entre as avenidas Paraná e a Rua Basílio Sautchuk. A marca, o torna o comerciante mais antigo de Maringá em atividade.

    Aos 77 anos de idade, o “seo” Francisco, mais comumente chamado de ‘Chico’, não aparenta a idade que tem. Com fala mansa e voz baixa, me recebeu com toda a tranquilidade de quem já viu muito nessa vida. Foram duas horas de conversa, logo pela manhã, para ele me contar um pouco da história que começou no dia 15 de janeiro de 1956.

    É bem verdade que a conversa não ficou só nas histórias de comércio. Teve pitadas da infância e da vida em família. Nascido em Cambé, Chico, que também já foi Chiquinho, veio pequeno para Maringá e nos primeiros anos morava na área rural. A diversão era vir para a cidade comer pão com mortadela e tomar um guaraná quente. Eram tempos em que não havia refrigeração. “Com tão pouco ficávamos muito felizes”, lembra.

    Depois de mudar para a cidade, conseguiu o primeiro emprego em uma relojoaria aos 12 anos. A Relojoaria Bozo ficava onde hoje está a Pernambucanas. Francisco recorda que o espaço hoje de uma só loja, era na época ocupado por muitos pequenos comércios, incluindo uma loja de discos.

    Depois, ele foi trabalhar na Relojoaria Reguladora, que ficava na esquina entre as avenidas Brasil e São Paulo. Francisco aprendeu o ofício de relojoeiro e costumava andar algumas quadras da Brasil até a Relojoaria Diamante, onde pegava alguns serviços. De tanto aparecer por ali, acabou sendo convidado para trabalhar oficialmente no local.

    Foi aí que começou a história da até hoje chamada Ótica Diamante. O primeiro dia de trabalho não foi fácil. O jovem Chico chegou animado para fazer o que sabia, mas recebeu do então gerente da loja, chamado Giácomo, a missão de limpar toda a vitrine repleta de relógios. Quando terminou, foi conversar com o superior que questionou “quantos relógios ele teria colocado no bolso”.

    Extremamente chateado com a acusação injusta, ele retrucou alegando que jamais faria algo do tipo. Voltou para a casa, onde morava com uma tia, e afirmou que jamais voltaria àquele lugar. Ele contou o ocorrido à tia, que segundo Chico era muito sábia. O conselho dela não apoiou a vontade do sobrinho. “Se você não voltar lá, ele vai pensar que você ficou com medo”, foi o que disse a tia.

    Assim foi feito, Francisco voltou à loja e de lá nunca mais saiu. O gerente Giácomo jamais virou desafeto. Ao contrário, acabaram amigos e sócios. Muitas vezes estenderam as mãos um ao outro. Quando o dono da relojoaria quis vender a loja, o antigo gerente a comprou. Francisco continuou trabalhando por lá e virou sócio. Ele e um irmão mais novo dividiam 50% do empreendimento.

    A Ótica Diamante, na Av. Brasil, já foi relojoaria, mas nunca perdeu o nome de pedra preciosa. / Camila Simões

    Mais tarde, a participação subiu para um terço. “Seo” Chico conta que fez o pedido ao então sócio para aumentar a própria parte já que era responsável pela maior parte das vendas. Proposta aceita e cada um dos sócios passou a ter um terço da loja. Mais para frente, Giácomo decidiu comprar terras em Mato Grosso do Sul e vendeu a própria parte para Francisco.

    Assim, o funcionário relojoeiro se tornou o dono do empreendimento junto ao irmão. Os relógios foram aos poucos sendo substituídos pelos óculos, até que o comércio virou uma ótica. O nome “Diamante” foi mantido. Francisco e o irmão chegaram a ter duas lojas em Maringá e outras três nas cidades vizinhas.

    “Compramos uma loja em Londrina e outra em Arapongas. A de Londrina foi só para pegar as máquinas e equipamentos e foi fechada. A de Arapongas permaneceu de portas abertas até a volta do Giácomo”, conta. O antigo sócio retornara de Campo Grande decepcionado com a escolha de ter ido embora e Francisco fez a oferta. Por um tempo, o amigo tocou a loja até decidir novamente tentar a vida no campo.

    Para “seo” Francisco o segredo para quem quer tocar uma empresa está em “não desistir nunca”. Para ele, o grande tempo do comércio passou e hoje as coisas ficaram mais difíceis. Dos antigos colegas de lojas, restou nenhum. Alguns faleceram, outros encerraram as atividades. Atualmente, ele diz que não vive da loja, mas sim do arrendamento de terras que tem na região e aluguéis de imóveis.

    Na ótica, sempre trabalhou com a família. Perguntei o que ele achava sobre trabalhar em empresa familiar. “Não sei porque só conheço esse tipo de trabalho”, respondeu alegre. O irmão mais novo e sócio não participa mais da loja, apenas dos negócios agrícolas. É o filho mais novo, Zé Vicente, que trabalha na ótica ao lado do pai.

    E os sonhos não param. A ótica Diamante oferece para os clientes uma grife própria de armações de óculos. A Paco Morales é responsável atualmente por 40% das vendas da loja. Empreendedor que é, Chico quer colocar as peças para serem vendidas pela internet, um projeto que está em fase de gestação, segundo ele mesmo diz.

    O nome, Paco Morales, é uma referência a ele mesmo. Neto de espanhóis, ele conta que na Espanha o diminutivo de Francisco é Paco e não Chico, como no Brasil. “Começou com uma brincadeira. Um dia um primo apareceu e me chamou de Paco. Gostei e usei o nome para a marca de óculos”, conta enquanto me mostra orgulhoso a peça que está usando e que leva seu nome.

    Quadro que fica na parede da Ótica Diamante com Francisco como modelo da própria marca./ Camila Simões

    Um homem de hobbies

    Nem só de relógios ou óculos vive o conhecimento de Francisco Morales. Morando em Maringá desde o tempo em que a Avenida Brasil era de paralelepípedos enquanto várias outras ao redor eram de terra, ele recorda as carroças e cavalos que passavam pelo centro da cidade levantando poeirão.

    Como homem ativo que é, Chico cantava e tocava violino. Cantou em corais e tocou em orquestras. Também fez parte de uma banda e de um quarteto de cordas. Ele estima que tenha cantado e tocado em pelo menos mil casamentos.

    Hoje, o que ele gosta é de comprar, reformar e conservar carros antigos. Têm sete, entre Jipes, Fuscas, Fords e uma Mercedes. “O difícil é ter onde guardar, então os carros acabam ficando em vários lugares diferentes. Ultimamente me ofereceram uma Brasília desmontada e sem motor, não sei o que me acontece, mas me dá vontade de ir lá buscar”, revela aos risos.

    Um homem ‘família’

    Relembrando tantas histórias, intercaladas com reflexões valiosas sobre a vida, “seo” Chico diz que se considera realizado. “A vida é muito boa, a vida é maravilhosa”. Ele se diz muito feliz com o que conquistou como comerciante e empreendedor e, principalmente, com a família. Casado há 53 anos, tem três filhos, seis netos e dois bisnetos – um casal de gêmeos.

    Na ótica, não gosta de ser chamado de patrão. “Prefiro deixar para lá a hierarquia, somos todos colegas de trabalho. Os funcionários são como membros da família”, afirma. Aliás, os familiares sempre estiveram presentes na ótica de alguma forma, como sócios ou colaboradores. Hoje, além do filho, uma sobrinha trabalha na Diamante.

    Os clientes também têm um apreço especial pelo Chico, como costumam chamá-lo. Eles chegam não apenas para comprar, mas para bater um papo, contar que “foram à praia e acabaram perdendo os óculos”. E aí escutam os gracejos do “Paco Morales”, que é dono de  um humor divertido e gosta de fazer pegadinhas. “O Chico 1 é bonzinho, o Chico 2 é o que faz essas maldades”, considera aos risos.

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