LGBTs se apressam para casar antes da posse de Jair Bolsonaro: número de casamentos homoafetivos em Maringá aumenta 200% neste trimestre

  • O casamento é um momento especial para muitas pessoas. Para que essa data fique marcada na vida do casal é preciso tempo para pensar na cerimônia e preparar a papelada necessária. Porém, a assistente administrativa Pâmela Almeida Fabrício Lira, de 31 anos, e a fisioterapeuta Gesebel Analia Lira Pereira, de 26, resolveram se apressar para casar o mais rápido possível.

    O temor das duas é que, com o novo governo, a comunidade LGBTI+ perca o direito à união estável e o casamento civil. “Queríamos nos casar, mas seria algo mais pensado, com mais tempo e mais carinho”, conta Pâmela, que formalizou a união no dia 8 de dezembro. Ela diz que as duas estão “enroladas” desde maio de 2017, mas o relacionamento ficou sério há seis meses quando Gesebel veio de Ribeirão Pires, interior de São Paulo, para morar em Maringá.

    Em todo o país, casais como Pâmela e Gesebel estão antecipando o casamento com medo de perderem o direito à união estável no governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Em Maringá, de uma média de quase dois casamentos homoafetivos por mês, entre janeiro e setembro, o número saltou para quase cinco uniões por mês entre outubro e a primeira quinzena de dezembro.

    Desde outubro, pouco antes do primeiro turno das eleições, até a primeira quinzena de dezembro, foram realizados 12 casamentos entre pessoas do mesmo sexo em Maringá, a  maioria entre homens. Enquanto isso, nos outros nove meses deste ano, entre janeiro e setembro, foram 15 casamentos, sendo a maioria mulheres. Na média mensal, o aumento foi de 200% nos dois últimos 75 dias.

    A cidade tem três cartórios de registro civil. Em um deles, é perceptível de maneira mais acentuada o aumento no número de casamentos realizados a partir de outubro. De janeiro a setembro, foram nove uniões contra 11 entre outubro e dezembro. No outro, foram seis casamentos nos primeiros nove meses do ano e, apenas um em outubro, que foi o último do ano.

    Apenas em um dos cartórios, localizado no distrito de Floriano, não há procura por casamento entre pessoas do mesmo sexo. Apenas uma união homoafetiva foi realizada lá,  há mais de dois anos. O valor da taxa de um casamento varia entre R$ 300 e R$ 400 e o trâmite é igual ao das uniões heterossexuais. A união estável que é menos burocrática, por exemplo, exige apenas documentos pessoais dos noivos.

    LGBTs têm direito à união estável desde 2011 no Brasil

    No Brasil, os casais LGBTs só tiveram direito a união estável em 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) alterou a regra do Código Civil. Em maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estendeu o benefício e publicou uma resolução que permite que os cartórios registrem os casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Com a norma, tabeliães e juízes são proibidos de se recusar a registrar a união.

    Os planos da consultora jurídica Ana Beatriz da Silva Rittter, de 21 anos, e da auxiliar de contabilidade Daniela Ritter, de 25, eram de oficializar a união no final do próximo ano ou no começo de 2020. Elas estão juntas há dois anos e queriam se estabilizar financeiramente para, só depois, pensar em casamento.

    “Com o início das eleições e os resultados do primeiro turno, conversamos e decidimos que se o resultado fosse o pior, casaríamos antes do final de 2018, visando à proteção de alguns direitos e a facilitação, para caso necessário, sairmos do Brasil”, diz Ana Beatriz, que oficializou a união com Daniela no último sábado (15/12).

    Elas se conheceram por meio de um amigo em comum em uma instituição de ensino superior particular da cidade. A decisão de apressar o casamento foi das duas, mas a consultora jurídica garante que o desejo de se casar era mais dela do que de Daniela.“Já havia um tempo que decidimos nos casar, devido ao modo como já nos relacionávamos, e a convivência que cresceu bastante no último ano”, conta.

    Ana Beatriz e Daniela se casaram no último sábado, 15 de dezembro, em Maringá (Imagem/Arquivo pessoal)

    OAB diz que, dificilmente, direito será retirado

    O temor da comunidade LGBTI+ é de que, com o cenário incerto após a posse de Jair Bolsonaro (PSL), direitos conquistados ao longo dos últimos anos sejam retirados. Em entrevista para a revista Playboy, em 2011, ele foi questionado sobre a hipótese de ter um filho homossexual e respondeu: “Pra mim, se morrer é melhor”.

    Além de declarações contrárias aos LGBTs durante a campanha, Bolsonaro chegou a assinar um termo de compromisso com a entidade Voto Católico Brasil. No documento, ele se comprometia a “promover o verdadeiro sentido do matrimônio, como a união entre homem e mulher”.

    Para a presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Maringá, Francielle Lopes Rocha, “sempre existe risco para absolutamente tudo”, mas dificilmente o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo será retirado. Na visão dela, o movimento de casais se apressando para oficializar a união representa resistência e traz visibilidade para a comunidade LGBTI+.

    “Pode ser que o Congresso Nacional faça uma proposta legislativa que proíba o casamento, mas esse projeto teria que ser aprovado no Congresso e, ainda que fosse aprovado, seria facilmente questionado no STF e com muita tranquilidade iria cair, porque seria inconstitucional”, explica Francielle.

    Ela diz que não existem registros na Comissão de Diversidade de cartórios que tenham se negado a realizar casamentos de pessoas do mesmo sexo em Maringá. Em novembro deste ano, em parceria com Associação Maringaense de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Amlgbt) e o coletivo de Avogadxs Marinagenses pela Diversidade (Amadi), foi aberto um formulário online para fazer o levantamento de quantos casais LGBTs pretendiam se casar na cidade.

    A ideia é conseguir descontos nos cartórios para a realização dos casamentos. No total, 30 casais preencheram o formulário e demonstraram interesse em se casar. O ofício com o levantamento deve ser encaminhado nesta semana para os cartórios da cidade e a expectativa é que os casamentos ocorram em janeiro de 2019.

    Apesar a possibilidade de retirada de direitos ser remota, a presidente da Comissão prevê que os próximos quatro anos serão difíceis para os LGBTs. “O presidente eleito já é conhecido da comunidade LGBT, que vem lidando com as declarações homofóbicas dele há muito tempo. A figura do presidente legitima para que as pessoas pensem da mesma maneira, para que elas exerçam qualquer tipo de violência e discriminação contra LGBTs”.

    Também em parceria com Amlgbt e o coletivo Amadi, a Comissão de Diversidade da OAB Maringá organiza um projeto para reunir denúncias de preconceito e agressão contra LGBTs. A Comissão também oferece auxílio jurídico gratuito para a comunidade. Para entrar em contato, basta mandar uma mensagem na página do Facebook.

    Homens se casaram mais do que as mulheres

    Segundo pesquisa Estatísticas do Registro Civil, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), em 2017 foram 5.887 casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo em todo o Brasil, 10% a mais que no ano anterior. No ano passado, Maringá registrou 21 uniões contra 27 até a primeira quinzena de dezembro deste ano, aumento de 28%.

    De acordo com o estudo, o número de casamento entre mulheres representa 57,5% das uniões entre a comunidade LGBTI+ em 2017. Os dados nacionais ficaram próximos do registrado na cidade. Por aqui foram 14 casamentos femininos contra sete masculinos no ano passado. Porém, neste ano, a diferença diminui e os homens se casaram mais que as mulheres, foram 15 casamentos masculinos contra 12 femininos.

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