“Londrina é a mãe de Maringá”, diz historiador do Patrimônio Histórico João Laércio, que lança livro sobre Maringá Velho

  • A primeira pergunta do atencioso mestre e historiador João Laércio Lopes Leal na encharcada manhã do primeiro dia de novembro, feita no amplo salão de exposições do Teatro Calil Haddad diante de amarelados retratos em branco e preto do Maringá Velho das décadas de 1940 e 1950 foi:

     – Sabe quem foi o primeiro prefeito de Maringá?

    Respondi, com ares de certeza e convicção que podem levar à apostas mal sucedidas:

    – Innocente Villanova Júnior.

    Paciente e simpático, João Laércio corrigiu:

    Não. Sempre pergunto isso e as pessoas dão a mesma resposta, mas o primeiro prefeito de Maringá foi Willie Davids. Maringá era patrimônio de Londrina e o engenheiro Willie Davids era o prefeito do município. Villanova foi o primeiro prefeito eleito de Maringá, e não o primeiro prefeito.

    A resposta despertou curiosidades e passei às perguntas. Afinal, era ele o entrevistado, pesquisador e redator do livro sobre a história do primeiro núcleo urbano do patrimônio que deu origem à terceira maior cidade do Paraná – o livro será lançado no próximo sábado, dia 10 de novembro.

    (Não foi ao acaso que se escolheu o dia de lançamento do exemplar que faz parte do Projeto Memórias nos Bairros, da secretaria de Cultura. É que no dia 10 de novembro de 1942 foram inaugurados com pompa e circunstância uma estrada e o primeiro hotel da cidade no Maringá Velho).

    Aprendi com o historiador que foi Willie Davids, então prefeito de Londrina e diretor técnico da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), dos ingleses, que em 1936 mandou o engenheiro alemão Ernest Rosemberg abrir uma picada de lá até o limite das terras da empresa, que à época era Maringá.

    A trilha de 127 km no meio da mata virgem levou dois anos para ser aberta. Começou em um perobal, onde hoje é a Universidade Estadual de Londrina (UEL), e terminou no alto da colina da Avenida Brasil, onde fica a churrascaria Fim da Picada, que, diga-se, serve um bom primeiro corte de fraldinha.

    O padre alemão Emílio Clemente Scherer, que veio para o Brasil em 1938, foi quem comprou o primeiro quinhão de terras da região, o 1/A. O negócio foi fechado na sede da CTNP, em Londrina. A Fazenda São Bonifácio, onde é o Cidade Alta, em 1940 deu lugar à primeira capela da região.

    Assim como o padre que fugia dos nazistas e construiu a igreja com o mesmo nome da fazenda, os pioneiros que chegavam também se instalavam em suas propriedades para derrubar a mata e plantar. Até que chegou um momento que a CTNP entendeu ser necessário criar um pequeno núcleo urbano.

    A ideia era proporcionar um lugar onde os desbravadores pudessem comprar aquilo que não extraiam da floresta nem produziam em suas terras, como querosene, ferramentas e medicamentos, e comercializar o excedente. A CTNP escalou engenheiro Aristides de Souza Mello para fazer o traçado.

    João Laércio, apontando um dos documentos da exposição, mostra que tendo a picada como linha mestra, o diretor técnico da CTNP desenhou oito quadras, quatro ao norte e quatro ao sul da Avenida Brasil, que ganhou o nome de Patrimônio Maringá, emprestado de um dos muitos ribeirões da região.

    – Achava que a Avenida Colombo tivesse sido a linha mestra de Maringá, como ocorre em grande parte das jovens cidades brasileiras, onde é sempre um rio, uma ferrovia ou uma rodovia que gera o primeiro núcleo urbano.

    Porém, a história não dá lugar a achismos e João Laércio explica que a Avenida Colombo foi feita depois:

    O interventor Manuel Ribas, nomeado por Getúlio Vargas e que governou o Paraná de 1932 a 1945, não gostava da companhia e construiu a Avenida Colombo para vigiar o que a iniciativa privada estava fazendo. Esse conflito entre o poder público e a iniciativa privada faz parte da história de Maringá.

    A foto da inauguração do primeiro hotel do vilarejo, o Campestre, que um ano depois virou Hotel Maringá, explicita tal conflito com o governo: embora esteja no retrato, o nome de Manuel Ribas foi excluído da legenda. Na solenidade também foi feito o lançamento da pedra fundamental do patrimônio.

    Foto de 10 de novembro de 1942, quando foram inauguradas a estrada Maringá – Porto São José e o Hotel Campestre e lançada a pedra fundamental do Patrimônio Maringá. Interventor Manoel Ribas foi excluído

    Apontando na foto a figura do presidente da CTNP Arthur Thomas, do prefeito de Londrina Major Miguel Blasi, sucessor de Willie Davids, e de outros pioneiros que emprestam nomes a avenidas e próprios públicos aqui e em cidades da região, o historiador que dedicou a carreira ao estudo da colonização de Maringá é categórico:

    – Foi Londrina que fundou o Patrimônio Maringá, que passou a ser o Maringá Velho. Londrina é a mãe de Maringá.

    Aproveito para tirar uma dúvida:

    O nome Maringá veio da canção do médico e compositor mineiro Joubert de Carvalho, gravada em 1932. Mas foi mesmo porque os nordestinos, enquanto abriam as picadas na região, cantavam a música pedindo a volta da cabocla que havia deixado o sertão?

    O historiador responde que essa história é romanceada, folclórica, e explica:

    – A primeira coisa que os ingleses faziam ao entrar na mata era mapear e nomear os leitos d’água. O nome Maringá foi usado pela primeira vez para identificar um ribeirão e, pela versão mais aceita, foi escolhido pela esposa do presidente da Companhia, Arthur Thomas, Elizabeth, que gostava da canção.

    E, com sua memória afiada e invejável, emenda:

    – Veja que todos os nomes originais das ruas traçadas por Aristides Mello levaram nomes de córregos e riachos, como Cleópatra, Borba Gato, Jumbo e Pinguim. Uma curiosidade é que essas ruas seguiam em direção aos ribeirões. Isso ajudava a não se perder na mata. Não eram bobos, não.

    Logo o Patrimônio Maringá passou a ter residências e lojas, entre as quais as casas Planeta e Aliberti, a Cafeeira Santa Luzia, o Hospital São Paulo, a Estação Rodoviária, o Cinema Primor e a Capela Santa Cruz, a primeira na área urbana, de 1946 e que ainda está lá na Rua Santa Joaquina de Vedruna, mas com as estruturas comprometidas à espera de restauração.

    Casa Aliberti, localizada na Avenida Brasil na década de 1950 / Arquivo do Patrimônio Histórico de Maringá

    O registro de um ônibus da Viação Garcia em chamas na baixada do Maringá Velho, na década de 1940, me chama a atenção na exposição, mas “as causas do incêndio não são bem esclarecidas”. O Cinema Primor, do então distrito de Mandaguari, também pegou fogo, em 1949, dois anos depois de inaugurado.

    Jardineira da Viação Garcia, na baixada da Avenida Brasil no Maringá Velho, na década de 1940 / Arquivo do Patrimônio Histórico de Maringá

    No livro que será lançado no sábado, o historiador escreve “se, para muita gente, descobrir o pertencimento de Maringá à Apucarana é assombroso ou surpreendente, mais perplexo se fica quando é exposta a revelação da subordinação do lugarejo a Londrina”. E, em seguida, expõe:

    Temos o seguinte quadro: de 1936 a 1943, o patrimônio Maringá dependia de Londrina. A partir de 1943, até outubro de 1947, o patrimônio Maringá inclinava-se à Apucarana. E de outubro de 1947 a novembro de 1951 o distrito Maringá fazia parte de Mandaguari. E só aí se torna município.

    Nessa altura da entrevista, feita parando diante de cada foto e cada documento expostos no saguão do Calil Haddad, onde ficarão até o dia 12 de dezembro, perguntei porque Maringá cresceu em direção ao atual Novo Centro e à Vila Operária, e não no entorno do Maringá Velho.

    Antes de reproduzir o que disse João Laércio, vai mais um parênteses.

    (Em 1944 os ingleses venderam a CTNP para dois grandes empresários paulistanos, que tinham o mesmo nome, Gastão, mas eram de famílias diferentes: a Vidigal e a Mesquita. A CTNP passou, em 1951, a se chamar Companhia Melhoramentos Norte do Paraná – CMNP).

    Agora sim, a explicação do historiador do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de Maringá:

    Havia sido definido o traçado da ferrovia e a CTNP decidiu fazer a Estação Ferroviária e o plano urbanístico de Maringá em uma área plana. A ideia inicial era acabar com o patrimônio, mas o povo do Maringá Velho resistiu e, em 1945, os engenheiros Cássio Gastão Vidigal, Gastão de Mesquita Filho e Jorge de Macedo Vieira tiveram que encaixar o núcleo urbano no desenho.

    É mesmo visível a diferença de traçados das oito quadras do Maringá Velho e do restante da cidade, caracterizada por ruas e avenidas largas, formas arredondadas, bem planejadas e repletas de praças. Bem diferente do traçado de Londrina, quadriculado, considerado “tosco” por João Laércio.

    Foto aérea de Shizuma Kubota, feita em 1948, mostrando no primeiro plano o Maringá Velho e no centro a mata que o separava do Maringá Novo: CTNP optou por uma área plana / Arquivo do Patrimônio Histórico

    No amontoado de datas, nomes e acontecimentos anotados em garranchos esferográficos na caderneta, suscitou antigo questionamento, que já havia exposto a colegas jornalistas com mais informações históricas de Maringá do que eu e, apesar das explicações, até então não me dava por satisfeito.

    João Laércio, se Maringá se emancipou política e administrativamente tornando-se município no dia 14 de fevereiro de 1951, por que se comemora o aniversário da cidade no dia 10 de maio?

    A data histórica de 10 de maio de 1947 é, indiscutivelmente, a mais importante para a cidade de Maringá. A diretoria da Companhia de Terras Norte do Paraná foi muito competente neste aspecto e marcou a data como sendo o início das vendas dos lotes contidos no plano urbanístico.

    Prossegue o historiador:

    – Desta forma, a companhia desqualificou completamente o 10 de novembro de 1942, quando foram inaugurados o Hotel Campestre e a estrada Maringá – Porto São José. A entronização do dia 10 de maio começou com uma grande festa em 1947, na inauguração da sede da companhia.

    E arremata a resposta:

    – No entanto, a maior estratégia de consumação praticada pela empresa aconteceu no ano seguinte, no dia 10 de maio de 1948: comemorar o primeiro ano de fundação da cidade, com direito a desfile cívico em plena via urbana. Até hoje, o desfile jamais deixou se ser realizado um ano sequer.

    João Laércio, mestre em História pela Universidade Federal do Paraná e historiador de Patrimônio Histórico, autografando o livro sobre o Maringá Velho / Walter Téle

    Depois da aula, finalmente entendi porque a comemoração no 10 de maio e não o 14 de fevereiro – dia do aniversário dos meus filhos, gêmeos. Para encerrar, ainda ganhei de presente dois livros autografados e, antes de voltar a tomar chuva, só me restou mesmo agradecer: Obrigado, João Laércio.

    Serviço

    • O que: Lançamento do Livro Memórias nos Bairros – Maringá Velho, do Projeto Memória nos Bairros, da secretaria municipal de Cultura de Maringá.
    • Quando: Sábado, 10 de novembro 2018, às 16 horas.
    • Onde: Teatro Municipal Calil Haddad, onde também estão expostas fotos e documentos históricos.

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