Para quem pagou e não recebeu o prometido, é um golpe montado por profissionais. Já os sócios do negócio dizem que não há nada errado. No entanto, alguns fatos são tão certos quanto dois e dois não são cinco. Os principais deles: registros de queixas no Procon, Boletins de Ocorrências, desabafos nas redes sociais e muita gente se sentindo lesada no bolso e frustrada na alma por ver um sonho ruir.
A história, que vem se repetindo em inúmeras cidades do Brasil e que na última sexta-feira (1/12) teve como cenário Maringá e no dia seguinte Londrina, começa com anúncios patrocinados no Facebook, tendo como público alvo pessoas interessadas em fazer um curso profissionalizante.
A propaganda convida o interessado a se inscrever em um site e concorrer a uma bolsa de estudo integral. São ao menos 25 opções de cursos e a próxima cidade será Aparecida do Norte. A bolsa, óbvio, invariavelmente é aprovada. E a boa notícia é dada por um SMS pessoal, que entusiasma o interessado em melhorar sua qualificação profissional.
Então a futura vítima do golpe emocional é convidada a participar de uma palestra, que em Maringá ocorreu em uma sala alugada por 4 horas, a R$ 200, na Torre Oregon, centro de Maringá. Foram oito palestras de meia hora cada, para oito turmas diferentes, que contaram com 20 a 30 pessoas cada.
A série de falas mansas, simpáticas, bem humoradas e articuladas começou às 16 horas. Em uma delas estavam, por exemplo, um jovem de 21 anos que trabalha em um restaurante de Maringá e que sonha em ser enfermeiro, a mãe da estudante de Direito, Ana Paula Alves, e a auxiliar de administração P. R., de 35 anos. No geral, são pessoas simples, algumas sem emprego, que querem melhorar de vida.
Em Londrina, as palestras ocorreram no sábado (2/12), das 10h às 14h, e foram em uma sala locada no tradicional Colégio Mãe de Deus. Usar os nomes de instituições conhecidas e respeitadas na cidade onde o circo é armado faz parte da estratégia para angariar credibilidade. Dizem que as bolsas são patrocinadas por grandes empresas, que abatem o custo no Imposto de Renda.
São nesses encontros que os representantes dos tais cursos profissionalizantes oferecidos pelo IPBE Cursos, pelo Top Educ Cursos e outros outros sites relacionados convencem os presentes a pagar R$ 70,00 como taxa administrativa, sem direito a devolução.
“Em média, metade dos participantes de cada turma pagou”, diz Ana Paula, que faz parte de um grupo de WhatApp que se mobiliza para, se não recuperar o dinheiro perdido, pelo menos tentar barrar que novas pessoas percam tempo, recursos e a vontade de estudar.
O pagamento é feito ali na hora, por meio da maquininha para cartão de crédito ou débito. O pior é que a pessoa assina um recibo, no qual está escrito que “a taxa de administração não será devolvida”. Depois, basta ela baixar a apostila ou assistir a uma aula para desqualificar ou dificultar provas de estelionato.
Em Londrina, D. S. D. registrou B.O. Ele, a esposa e a sogra pretendiam fazer um curso de Enfermagem, atraídos pela “gratuidade” e pela promessa de que a parte presencial seria ministrada na instituição de ensino superior mais próxima da casa deles. Unopar, Pitágoras e Enesul foram citadas como parceiras do polo local e ele pagou R$ 210,00. Três dias depois descobriu, como muitos, que não era nada daquilo.
Uma gravação feita em Londrina por uma participante mostra que são prometidos dois cursos profissionalizantes com o pagamento de apenas uma taxa de administração, carteirinha de estudante que dá direito a passe de transporte coletivo, opção de aulas presenciais ou a distância e estágios não remunerados na faculdade mais próxima da casa do aluno.
Lá também foram oito palestras, das 11h às 14h, com média de 20 pessoas cada. Em uma conta aproximada, nas duas cidades cerca de 320 pessoas participaram e metade pagou a taxa de R$ 70. A decepção do pessoal tem hora premeditada para ocorrer. É justamente quando, dois ou três dias após o pagamento, eles entram no site IPBE ou Top Educ para pegar o login e a senha para as aulas EAD e escolher a instituição onde farão as aulas presenciais, que a realidade vem à tona.
A primeira dificuldade é entrar no campo específico do site. E a pior delas é descobrir que não existe aula presencial alguma, muito menos opções de escolha em qual “polo” do IPBE ou do Top Educ vai estudar. Sem contar que o material escolar não passa de algumas páginas em PDF e a qualidade das aulas gravadas é sofrível. Os próprios sites, por se tratar de autodenominadas instituições de ensino fundadas há mais de 20 anos, é lamentável, do português ao conteúdo.
Sites dão indícios que é bom abrir os olhos
Na home do site Top Educ Cursos, por exemplo, diz “Gatanta já sua vaga no mercado de trabalho”, “Injeção eletronica (sem o circunflexo)” e, o mais curioso, no espaço “Nossos Alunos”, são estampadas quatro fotos, com quatro frases, dos ditos alunos Jaime soares (com s minúsculo), Liliane ALmeida (com L maiúsculo), Caio Pardine e Taise Grandine. No entanto, três fotos são da mesmíssima pessoa. E um nome masculino tem foto de mulher.
Na home do site da IPBE Cursos, o descuido com a língua portuguesa também diz presente. Começa com “brasil” em letra minúscula e segue “Bem vindos” sem hífem, “Estámos“, com acento; “A tempos nao...”; “assistencia“; “sao“… Por se tratar de um site que se apresenta como de uma “instituição” que trabalha com cursos profissionalizantes desde 1997, fica, portanto, a quilômetros de distância do mínimo aceitável.
A reportagem manteve contato com oito pessoas de Maringá e Londrina que se sentiram vítimas e de certo modo impotentes para buscar seus direitos. Para a maior parte delas, R$ 70 é uma quantia importante, que faz falta, mas representa pouco, diante das artimanhas que dificultam a caracterização de crimes, para mover os órgãos públicos. Os protagonistas da enganação sabem disso.
Em Maringá, o site do grupo Cesaba já passou a tratar o local onde foi feita a apresentação, como um pólo do grupo. O CNPJ fornecido à locação foi o de uma mulher residente em Cidade Dutra, distrito da capital paulista. Nos recibos dos pagantes consta outro CNPJ, o de uma MEI Cesaba Cursos Profissionalizantes, de Araçatuba (SP), aparentemente o guarda-chuva dos sites.
O outro lado diz que está tudo certo
Os domínios dos dois sites, Top Educ e IPBE, estão com outro CNPJ, o de uma empresa de Araçatuba, a Runaway Informática. O sócio proprietário, Ricardo Santos, disse que apenas criou os sites para a Cesaba e que não tem nenhuma ligação com a administração e operacionalização dos mesmos. Ele pediu para que a solicitação de contato com os donos da Cesaba fosse feita por e-mail, mas não deu retorno.
A reportagem conseguiu falar, na quarta-feira (6/12), com uma mulher que se apresentou como Larissa Alves, suporte técnica das plataformas EAD da Cesaba. Confirmou, por um dos vários telefones com DDD 11, que a sede das empresas fica em Araçatuba, mas que não é aberta ao público.
Segundo Larissa, não há nenhuma irregularidade com as atividades da Top Educ e com a IPBE. Disse que todos os cursos são 100% em formato EAD e que os estágios não remunerados só são realizados para os alunos aprovados em um exame aplicado após a conclusão da fase teórica, que pode ser feita em 365 dias.
Afirmou que “todos os alunos tem acesso ao login e à senha para assistir às aulas”, e que, verificando o painel de controle “não há nenhum aluno desativado”. Larissa disse que não há nenhuma possibilidade de devolver as taxas de administração e que essa condição consta em cláusula contratual, assinada pelos alunos.
“Damos todas as orientações necessárias aos alunos”, disse, esquecendo-se de acrescentar que as mensagens são feitas pelos chamados robôs. “Tudo é feito por meio de mensagens eletrônicas, não por telefone” e finalizou afirmando que não autorizava a publicação da reportagem. Então tá.
- Primeira atualização, feita em 11/12/2017: após a publicação desta reportagem, os nomes das instituições de ensino de Maringá e Londrina citadas nos sites do Top Educ e do IPBE foram retirados.
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