A Universidade Estadual de Maringá (UEM) publicou nota de repúdio contra a liminar do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, que decide sobre a realização de estudo ou atendimento relacionados à orientação ou reorientação sexual.
Em Maringá, houve um ato de protesto organizado pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP-PR) na sexta-feira, dia 22, em frente ao Parque do Ingá. Contou com aproximadamente 120 pessoas, de acordo com a organização. Outras ações foram realizadas em todo o Paraná.
Também no âmbito de sexualidade e gênero, um texto de Dom Anuar Battisti, arcebispo de Maringá, na seção “Opinião” do Jornal O Diário do Norte do Paraná, incitou novas discussões sobre o assunto.
A opinião do arcebispo teve resposta da Associação Maringaense de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (AMLGBT) em texto de Fabiana Carvalho, professora do Departamento de Biologia da UEM.
A polêmica no Judiciário
A liminar concedida no último dia 15 atende, parcialmente, uma ação contra o Conselho Federal de Psicologia (CFP) de um grupo de psicólogos, entre eles Rozangela Alves Justino, que solicita a suspensão de regras do órgão, especificamente da Resolução 01/99.
A resolução determina que “psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”.
Além disso, há um pedido para que haja contribuição profissional para “uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas”.
O termo “cura gay” tem sido parte dos protestos em relação a decisão, porém não fazem parte do corpo da liminar.
Ela também não derruba a resolução do CFP e diz que, durante a análise, foi considerado o posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), que desconsidera a homossexualidade como patológica, mas sim como variação natural da sexualidade humana.
Contudo, o documento pede que o CFP reconsidere a interpretação de suas normas em favor da liberdade científica, sem censura ou necessidade de licença para trabalhar e atender baseado em reorientação sexual.
Carvalho, ao pedir a reinterpretação, declara que possam ser atendidos “àqueles que voluntariamente venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem qualquer forma de censura, preconceito ou discriminação”.
Juiz critica repercussão: “Fui mal interpretado”
O juiz divulgou nota na última quinta, dia 21, criticando a repercussão da decisão e defendendo que uma interpretação ruim do texto da resolução veda a liberdade científica.
Também explica que todo questionamento sobre sua decisão deve ser feito judicialmente e não aceitará convites para debater o tema.
No mesmo dia o Conselho entrou com recurso contra a decisão, e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou no processo como amicus curiae, isto é, uma entidade externa que participa da ação levando esclarecimentos complementares.
Em nota, o CFP declara: “A decisão liminar abre a perigosa possibilidade de uso de terapias de (re)orientação sexual. A ação foi movida por um grupo de psicólogas (os) defensores dessa prática, que representa uma violação dos direitos humanos e não tem qualquer embasamento científico”.
Psicóloga trabalha para deputado
A decisão liminar é uma resposta a ação popular interposta por três psicólogos, entre eles Rozangela Alves Justino, que foi punida pelo Conselho em 2009 por oferecer terapias de reversão de orientação sexual e teve seu registro cassado.
Rozangela trabalha hoje como assessora do deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). Quando perdeu seu registro, ela disse em entrevista à Veja que “o ativismo pró-homossexualismo está diretamente ligado ao nazismo”, e que o CFP buscava a “heterodestruição”.
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Já no Congresso, o deputador Ezequiel Teixeira (PTN-RJ) é autor do projeto de lei 4931/2016, que está na Comissão de Seguridade Social e Família, e pretende acabar com a punição de tratamento de “transtornos de orientação sexual” e, tem por objetivo, garantir a mudança em “atenção à Dignidade Humana”.
O relator é o deputador Diego Garcia (PHS-PR), o mesmo do Estatuto da Família em 2015.
Um outro projeto semelhante, de autoria do deputado João Campos (GO), a época no PSDB e agora no PRB, foi arquivado em 2013. O texto sustava os efeitos da resolução do CFP.
A voz do Conselho em Maringá
Eliane Maio é psicóloga há mais de 30 anos, é presidente da Comissão de Direitos Humanos do CRP e professora da UEM, além de ter vários trabalhos reconhecidos nos temas de sexualidade, gênero e diversidade sexual.
Na visão dela, a decisão é perigosa pois “faz que um discurso preconceituoso espalhe discriminação e violência”. Mesmo que a expressão “Cura Gay” não faça parte do texto, a liminar fere a autonomia do CFP e erra ao permitir uma prática que contraria valores de liberdade.
Segundo Eliane, novas ações de conscientização devem ser realizadas pelo Conselho e pela UEM, porém sem que haja repetitividade da discussão.
O peso da decisão judicial
Crishna Correa é formada em direito pela UEM, é professora de Ciência Política do curso do mesmo curso, e também é uma das líderes do Núcleo de Estudos em Diversidade Sexual (Nudisex/UEM).
Quando é permitida a reorientação sexual na decisão é dito, em outras palavras, que isso é possível e que há um “desvio” e grupos mais vulneráveis, como adolescentes em processo de formação, podem ser influenciados.
“A decisão judiciária, tecnicamente, vale mais do que uma resolução de conselho”, informa.
Contudo, a resolução continua vigente mesmo com a liminar e denúncias contra ações indevidas de psicólogos continuam válidas. A questão é que a liminar cria brechas e serve de precedente para casos semelhantes.
“Na minha leitura, tem intenção de esvaziar o conteúdo da resolução sem revogá-la”, declara Correa.
Sobre a questão da liberdade científica, Crishna defende que a atuação profissional tem o direito da mesma forma que a pesquisa acadêmica. “É aberta a possibilidade de qualquer tratamento que se fundamente em propósitos científicos, e isso é perigoso”, complementa.
Movimentos sociais conservadores baseados em construções sociais são perigosos a partir desse ponto, tendo uma “muleta a partir de decisão judicial” que justifique ações discriminatórias de qualquer tipo.
Apesar disso, ela reforça que a Resolução 01/99 do CFP não é revogada e a ação em si é de importância democrática ao permitir a discussão sobre a resoluções de Conselhos de classe, que também podem tomar decisões problemáticas.
“É preocupante que o Judiciário tome esse tipo de decisão sem conhecimento de causa, e o Conselho não teve voz para esclarecimentos”, finaliza.
Gênero, conceito e discussão
A discussão sobre estudos de gênero teve grande repercussão em Maringá no ano de 2015, com a aprovação do Plano de Educação, quando um item sobre “identidade de gênero” gerou discussão e deixou de ser incluído na proposta.
A polêmica foi reacendida considerando as palestras que ocorreram em colégios estaduais de Marigá e região pela AMLGBT. O vereador Sidnei Telles fez questionamentos ao Núcleo Regional de Educação sobre o tema.
Na última semana, o texto de Dom Anuar Battisti voltou a causar alvoroço ao se manifestar sobre “Ideologia de Gênero”, que estaria sendo imposta nas escolas.
Em carta, a AMLGBT fala sobre a cultura de preconceito vigente e nega o termo “Ideologia”, que agrega valor não condizente ao tema. O documento pede respeito e convida à conciliação e educação ao assunto na comunidade.
O Brasil, a LGBTfobia e o pioneirismo
O documento do CFP proibiu os tratamentos de reorientação sexual há 18 anos, estabelecendo que profissionais não poderiam reforçar qualquer tipo de preconceito a partir de ações que relacionem transtornos psicológicos e a orientação sexual.
O Brasil é um país pioneiro para estabelecer essas proibições.
Malta foi o primeiro país da Europa a criminalizar terapias de conversão, podendo até mesmo penalizar com a prisão. Só o Equador, além do Brasil e Malta, tem legislações semelhantes.
Países como Argentina e Estados Unidos têm feito uso de fórmulas para “driblar” leis e tratar a homossexualidade, com diversos casos relatados de problemas psicológicos decorrentes.
Associações baseadas em ensinamentos de prevenção a homossexualidade promovem assessoria para pais detectarem “sinais precoces de desconformidade”. Isso é parte de ações e até mesmo acampamentos organizados nos Estados Unidos, Alemanha, Israel e França.
Relações homossexuais são ilegais em 72 países, podendo chegar à pena de morte na Arábia Saudita, Irã, Iêmen e Sudão, além de ações não-estatais, como as do Estado Islâmico.
Tais números reafirmam normas punitivas que são uma violação aos direitos humanos, e mostram um número maior de Estados que punem do que reconhecem o casamento igualitário, por exemplo.
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